Era meados de 2016 quando envolveram a Bela Gil em uma polêmica boba sobre o seu “churrasco de melancia”. Pode ter certeza que ela foi atacada de várias formas só porque um belo dia resolveu ensinar uma receita de melancia grelhada na brasa, que era até bem gostosa, diga-se de passagem (sim, eu experimentei!). A chef, vegana, apresentou uma proposta inovadora de alimentos que poderiam “substituir” a carne nos churrascos para os adeptos de alimentação sem proteína animal. E à época, o Brasil ainda estava engatinhando no debate da alimentação sustentável, e talvez ainda estejamos sem saber andar nesse quesito.

Acontece que, anos depois, o Botica consagra-se, através de prêmio renomado na cidade e a boca miúda dos especialistas de boteco, como o bar que tem os melhores petiscos da cidade. E no cardápio está uma entrada de balcão nomeada: “melancia, azeitonas e sementes”. Penso imediatamente que, pra melancia estar ali, entre tantos pratos clássicos de botequim (aqui na releitura do chef, o que é normal) como a língua (deliciosa), jiló com creme azedo (perfeito), ovo colorido, croquetes de acém, língua e copa lombo (5 unidades generosas, macias por dentro e crocantes por fora) e o pão de alho, é porque ela tem que ser estupidamente gostosa. E minhas suspeitas se confirmam quando vejo o dono do estabelecimento sorvendo generosas garfadas do prato bem ao meu lado.

E “batata”: “melancia, azeitona e semente” foi eleito o melhor prato pelos 4 botequeiros assíduos da mesa, o que me levou a reflexão que, se fosse a Bela Gil de outro gênero, de outro meio e não fosse vegana, seu churrasco de melancia, anos atrás, igualmente saboroso, não teria sido tão rechaçado. E isso fala muito mais sobre preconceito de gênero do que sobre melancias. Bastou a fruta ir parar em um balcão, com ares de ‘hype’, frequentado pela juventude e moradores da zona sul, que pronto, virou uma estrela.



Dito isso, o Botica não tem absolutamente nada a ver com isso, mas valeu a reflexão. A eles, apenas elogios. Achei que ia encontrar pratos hiper-faturados, me enganei, achei que fosse encontrar atendimento blasé e arrogante (como quase tudo que ganha prêmio na zona sul), me enganei. Me enganei em tudo, e se tem um segmento que eu amo ir cheia de pré conceitos e me enganar, é o da gastronomia. Um salve aos enganos.
Além da melancia, minhas outras duas escolhas preferida foram o jiló com creme azedo que é excepcional (e eu nem gosto de jiló!), a língua (e eu não costumo gostar de língua!) e os croquetes.


Já o que prometeu muito e acabou ficando ofuscado pela explosão de sabores dos outros que eu citei foram a empada, a porção de coração e o ovo colorido, que não deixa de ser um ovo, ainda que tenha uma firula a mais. Não estavam, nem de longe, ruins, mas perto da originalidade e sabor dos outros, eu não pediria novamente.

Ambiente
A nova moda no Rio são bares de chefs, aqui Cézar Cavalieri, que começaram suas carreiras nas cozinhas de restaurantes notáveis. E parte desse novo conceito é manter o bar com aparência mais “raiz” possível, sem luxo, pompa e nenhum tipo de requinte, de preferência com elementos que remetam a artigos de religiões de matriz africana celebrando a ancestralidade do povo brasileiro. Tudo para fugir do conceito de “gastrobar” ou restaurante, ainda que não tenha como notar que se trata de bares ‘gourmet’ (embora eu não goste nadinha dessa palavra, e pra dizer a verdade, nem desse conceito – botequim é botequim, lugar gourmet é lugar gourmet).
O Botica também recria uma fórmula que fez sucesso décadas atrás com o Adega Pérola que também caiu nas graças do novo hype, que são as porções frias dispostas no balcão e itens em conserva.




Apesar do conceito, que na minha opinião, uma hora satura, vale a pena aproveitar essa onda e experimentar os petiscos do Botica que podem e devem ser atemporais. É um daqueles lugares que faz a gente ter vontade de retornar – nem que seja para devorar uma melancia, como a Magali.
Informações
Endereço
Rua Fernandes Guimarães, 30. Botafogo
Dias e horários de funcionamento (sujeito à alterações no feriado)
Terça e quarta – de 18h às 01h
Quinta e sexta-feira – de 18h às 03h
Sábado – de 13h às 03h
Domingo – 13h às 23h
Horários de almoço
Sexta, sábado, domingo e feriados de 13h às 17h